«Livreiros?... Quando digo
“livreiros” não me refiro às pessoas que casualmente
ou temporariamente vão vendendo livros um pouco por toda a parte (sem
qualquer
tipo de desconsideração para com estas). Os livreiros, e eu conheço
alguns, são
aqueles que adoram livros, conhecem muitos livros e lêem outros tantos,
mas são
sobretudo aqueles que, por passarem tanto tempo manuseando livros, se
começam a
confundir com eles. São como os casais, cujo fácies, após tantos anos
de casamento, se assemelha. – Estão a ver? Um livreiro é praticamente um
livro, ou melhor, bocadinhos de muitos livros. Não
dos novos, os de quinze minutos de fama, mas daqueles com folhas
amareladas,
fechadas que se abrem com uma faca especial e que fazem comichão no
nariz, do
pó que levantam. Daqueles que as traças (mais conhecidos por
peixinhos-de-prata)
sabem que são melhores para alimento, ou que, como dizia George Orwell,
os tais onde as moscas azuis escolhem para morada eterna. Os livreiros,
porque já não
se vendem, só raramente se encontram nas prateleiras das livrarias.
Porém,
quando os encontramos, dificilmente passamos sem os consultar. Se os
abrimos a
surpresa é grande: cheios de histórias para contar, deles, dos outros e
dos
livros. Pode ser uma pequena estória, um diálogo que ouviram, um poema
que
leram, um aforismo muito antigo, lido e repetido em tantos livros que
deixou de
ter dono e passou a ser deles. Normalmente são cultos, não tanto pelo
que
lêem, embora leiam muito; mas muito mais pelo que ouvem. - Só
provavelmente num
confessionário ou num bar se ouve mais. Os livreiros são aqueles que
melhor têm
a noção da futilidade ou da importância dos livros. Sabem que os livros
também
são uma mercadoria que se compra e se vende e de que eles próprios,
livreiros,
fazem parte. Os livreiros são livreiros porque têm uma dupla finalidade,
uma
delas é pública, a outra é, muito secretamente, pessoal. A pública é a
de
vender livros, incentivar a leitura e divulgar o livro, fazendo-o ao
partilhar
com os outros as suas próprias leituras, organizando tertúlias, eventos
literários,
cursos, etc. A outra, como dizia um editor meu conhecido, no fim da sua
vida:
«Eu errei sucessivamente de profissão, o que eu queria era estar junto
dos
livros para poder ler o que me apetecesse.»»
Jaime Bulhosa