«A
literatura difere da vida na medida em que a vida é homogeneamente
repleta de detalhes, e raramente nos chama a atenção para eles, enquanto
a literatura nos ensina a reparar – a reparar na maneira como a minha
mãe, digamos, limpa os lábios antes de me beijar; no som de berbequim de
um táxi londrino, quando o seu motor a diesel entra flacidamente em
ponto morto; na semelhança das linhas brancas nos casacos de cabedal
velho com as estrias de gordura em bocados de carne; na maneira como a
neve recente “range” debaixo dos pés; na maneira como os braços de um
bebé são tão gordos que parecem atados com cordéis (ah, os outros
exemplos são meus, mas o último é de Tolstoi!). Esta educação é
dialéctica. A literatura faz de nós melhores observadores da vida; e
permite-nos exercitar o dom na própria vida; que por sua vez nos torna
mais atentos ao detalhe na literatura; que por sua vez nos torna mais
atentos ao detalhe na vida. E assim sucessivamente. Basta dar aulas de
Literatura para perceber que muitos jovens leitores são fracos
observadores. Os meus próprios livros, caprichosamente anotados, há
vinte anos, nos meus tempos de estudante, mostram-me que eu
sublinhava, como dignos de aprovação, detalhes e imagens e metáforas que
agora me parecem banais, enquanto ignorava serenamente coisas que agora
me parecem maravilhosas. Vamos crescendo como leitores, e leitores de
vinte anos são praticamente virgens. Ainda não leram literatura
suficiente para serem ensinados por ela a lê-la melhor.»
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