«O desaparecimento da leitura em voz alta é muito estranho. O que teria
Dostoievski pensado disto? E Flaubert? Já não há o direito de colocar as
palavras na boca antes de as meter na cabeça? Já não há ouvidos? Já não
há música? Já não há saliva? As palavras já não sabem a nada? O que é
que se passa? Não declamou Flaubert a sua Bovary em altos gritos, até
furar os tímpanos? Não estará ele definitivamente melhor colocado do que
qualquer outro para saber que a compreensão do texto passa pelo som das
palavras, de onde deriva todo o seu sentido? Não saberia ele como
ninguém, ele que tanto lutou contra a música intempestiva das sílabas,
contra a tirania das cadências, que o sentido se pronuncia? Então?
Textos mudos para puros espíritos? Rabelais, ajuda-me! Flaubert, Dosto,
Kafka, Dickens, acudam-me! Gigantescos anunciadores de sentido, venham
cá! Venham soprar nos nossos livros! As palavras precisam de corpo! Os
nossos livros precisam de ter vida!»
in Como um romance
in Como um romance
Sem comentários:
Enviar um comentário